The New Abnormal

The New Abnormal

Ouça o novo disco:

The Strokes na edição de abril da Les Inrockuptibles


Em 07 de abril de 2020, o site da revista francesa Les inrockuptibles  publicou uma pequena matéria sobre os Strokes, acompanhada de fotos incríveis, feitas por Felipe Barbosa. Segue a tradução que fizemos.

THE STROKES: Somos sempre esses caras de 18 anos que se conhecem de cor

(por Carole Boinet e François Moreau – publicado em 07/04/2020)

Os Strokes estão finalmente de volta com um sexto álbum, The New Abnormal, uma das mais belas bofetadas do ano. Feito raro, eles aceitaram nos receber no camarim, após seu primeiro show no Olympia, em fevereiro. Reencontro atípico.

O nome dos Strokes está em vermelho na fachado do Olympia para pela primeira vez na história da banda. O burburinho da multidão reunida na frente do salão parisiente em 18 de fevereiro de 2020, ingresso no bolso – os ingressos se esgotaram em menos de 20 minutos no momento do anúncio da vinda dos nova iorquinos – enquanto se aproxima o momento de ver em cena os heróis da noite.
Nos bastidores, é uma outra bagunça. Os Strokes não são pontuais. 21h, eis que aparecem para nossa sessão de fotos, quando a bateria de Fabrizio Moretti deveria estar tocando a introdução de Someday. Julian Casablancas está à solta; ele traz sua figura esbelta depois dos outros membros do grupo, enquanto o guitarrista Nick Valensi, não para de se mexer, ordena que movam suas bundas para o palco, encurtando a sessão de fotos de quinze para cinco minutos.

No sacão, a angústia de uma possível decepção revira os estômagos mais fortes. E se os Strokes não tiverem mais a força dos Strokes? E se nossos ídolos se desfizerem diante de nossos olhos? Seria duvidar da genialidade dos nova iorquinos, muito bons em passar por cima dos sulcos que pontilham a estrada das estrelas de rock.

O conceito de madeleine de Proust* torna-se a base do show, que explora os três primeiros álbuns, Is this it (2001), Room on fire (2003) e First impressions of Earth (2006), silenciando Angles (2011) e resumindo Comedown Machine (2013) a uma única música One Way Trigger. Um tsunami nostálgico adocicado pela inegável modernidade de seus antigos sucessos. Someday, Last nite, Hard to explain, Reptilia… transpiram a mesma vivacidade, a mesma raiva que quando saíram. Os Strokes entenderam bem o DNA do público de rock: a (pós) adolescência, o momento crucial onde a identidade se constrói em riffs de guitarra. Além disso, seus títulos parecem mergulhados em um elixir de imortalidade. Estamos longe do passeio patético de velhos ídolos empoeirados.

Seu próximo álbum, The New Abnormal, previsto para 10 de abril, traça um caminho desde The adulst are talking, música de abertura, e o single Bad decisions, com seu ritmo bombeado de New Order.
Sem correr riscos, a hora é de autoconsagração, como a celebração de um espaço-tempo comum que se foi e ainda ressuscitou. Essa pode ser a magia de uma grande banda de rock: a capacidade de criar com seu público um laço afetivo, uma carga emocional tão forte que o tempo não vai mais dominar. Então, a redescoberta perpétua de uma mesma coisa – seja uma peça, músico, riff, agitar os cabelos – não tem mais nada de chato e se torna um dos maiores prazeres e motivos da vida.  Afinal, não é esse o próprio princípio do amor?

* expressão utilizada pra descrever cheiros, gostos, sons ou sensações que lembrem da infância ou evoca memórias de um tempo passado.


UPDATE: Os parágrafos supramencionados são referentes ao trecho original da matéria, publicado como “preview” no site da Les inrockuptibles. Segue abaixo o restante da matéria, traduzido a partir de uma versão em inglês postada no Reddit.

Depois do grande show, Julian Casablancas nos recebe em seu camarim – o cara aborrecido, aparentemente confuso pela bagunça ao redor e os restos de sushi, abre espaço pra nós no pequeno sofá no fundo da sala. “Vocês tocaram duas músicas novas esta noite, como se sente sobre esse novo disco?” perguntamos a ele. Depois de um longo suspiro, ele diz “Me sinto dividido entre o que eu gostaria de dizer e o que é apropriado dizer; a verdade sem filtro seria muito mais interessante, mas provavelmente ofensiva, confusa e aborrecida para as pessoas que amo. Então vou dizer “Me sinto bem sobre o novo disco!. “Então, você não sente realmente esse álbum?”, perguntamos. “Eu não disse isso.” – “Por que você decidiu embarcar em um novo disco dos Strokes?” – “Não sei… quando Rick Rubin te liga, você atende.” –“Você fez o disco porque Rick Rubin te ligou?” “– Não, ele não me ligou. Quero dizer que eu liguei pra ele mas… falamos na época do meu disco solo e sempre mantivemos contato. Toquei pra ele O EP Future Present Past e ele estava interessado. Então enviamos demos pra ele e… é…”

Para The New Abnormal, os cinco Strokes receberam um sexto, mas não menos importante: Rick Rubin, e seu ar de guru new-age com uma tendência heavy metal. Fundador mítico do Def Jam label (1984), Rubin é conhecido por ter quebrado as barreiras entre o punk e o rap, reunindo Run-DMC e Aerosmith no hit Walk This Way, e produzindo discos para LL Cool J, Beastie Boys, Red Hot Chili Peppers, Slayer e muitos outros. Rick Rubin, o moderno Phil Spector, o grande multiplicador, capaz de trabalhar com Metallica, Eminem, Gossip e Strokes. Se o grande barbudo não responde nossos pedidos de entrevista, sua importância no sexto disco não pode ser subestimada, e parece mesmo que foi um fator determinante na comunicação renovada entre os cinco ex-futuros ex-melhores amigos.

Albert Hammond Jr, o guitarrista que encontramos em outro camarim depois de nossos dez minutos cara a cara com um Julian à beira da apoplexia, nos fala logo de cara: “A mágica de Rick deu fôlego para a dinâmica que nos permitiu recriar a banda. Ele agiu como uma figura guardiã que nos possibilitou reformar uma unidade. Lá no fundo, ainda somos aqueles caras de 18 anos que se conhecem muito bem e seriam capazes de qualquer coisa. Amor. Tinha algo muito especial. Não sei onde está em cada um de nós, mas nos conecta tanto que quase me faz chorar… é muito bonito.”
O baterista Fabrizio Moretti, contatado por telefone dois meses depois, teve a mesma reação: “Parece que o plano de Rick Rubin era nos abrir. Como se ele soubesse que tinha algo em nosso sangue que precisava ser despertado.”

Mas à imprensa, Julian e os caras não dão a mínima. Na verdade, tanto ele quanto Albert imediatamente mostraram sinais de desconfiança quando nos viram chegando, mesmo que o desgrenhado guitarrista da banda fosse passar uma hora falando em vez de ir para o camarim para um drink com Alex Turner, dois músicos da Phoenix ou Hedi Slimane. O processo de criar um disco dos Strokes continua um mistério que nem Julian nem Albert parecem prontos para nos deixar desvendar. Precisaremos da ajuda de Fabrizio Moretti para ter uma ideia mais clara. The New Abnormal foi gravado na boa e velha casa de Rick Rubin, no estúdio Shangri-La em Malibu. “Haviam esses grandes incêndios em Los Angeles”, Julian lembra. “Muitas casas queimaram, mas Shangri-La sobreviveu, por algum milagre. É de onde o nome do disco vem, do clima extremo, a violência…”

Moretti ainda não acredita “É, é louco. Como se os deuses da música protegessem o lugar. Você sabia que o antigo ônibus de turnê de Bob Dylan estava estacionado no quintal?”

Quando você pergunta a Julian sobre o disco, a confusão opera: “Não sei…quer dizer, é difícil lembrar depois de todos esses anos, não penso assim… só trabalhei nele…Ok, desculpe, é uma resposta besta. Fizemos umas demos em Nova Iorque no estúdio Red Bull e consolidei tudo no meu lugar, ao norte de Nova Iorque. Então com os caras terminamos em Shangri-La, na mesma sala”, ele finalmente nos diz.

Na cabeça de Albert, as coisas não estão mais claras: “Talvez Julian soubesse onde estávamos indo. O que fizemos foi ir para o estúdio cedo, preparar algumas músicas, fazer uma setlist e tocar.” Pedimos uma confirmação a Fabrizio: “Foi um tipo de exercício, para revigorar nossos músculos e ver se tinha coisas que poderíamos usar antes que Rick Rubin chegasse. Nos permitiu ver o que havia pra cavar nessa ou naquela música. Havia essa regra de que deveríamos gravar todas as sessões” ele nos diz.

“Você sabia como o novo disco soaria?” “Não”, Albert nos avisa. Mas é parte do processo de criar um disco. Acho que outras bandas precisam de um tema pra seguir em frente, eu sinto que aqui o tema se encontrou durante o processo de gravação. Não tinha mapa, então Julian juntou as demos e tocou pra nós, ficamos “Wow, veja o que fizemos!”. Essa é a mágica que Rick foi capaz de criar.

Mas então, de onde diabos veio o disco?

“Fabrizio, Julian estava dizendo que vocês gravaram demos em Nova Iorque…” “– Sim, está certo. Sim, é verdade. Mas a parte mais interessante e recompensadora das faixas realmente nasceu em Shangri-La”, o baterista nos diz. Rick Rubin, Rick Rubin, Rick Rubin! Diga seu nome cinco vezes seguidas e ele surge do seu banheiro como Candyman*

O nome do bombeiro da música contemporânea está na boca de todo mundo, quando Kanye West costumava ir pra casa com caixas cheias de discos para limpar a grande bagunça que deu origem ao álbum Yeezus (2013): “Ele estava conosco durante a gravação, mas ele sabe quando deixar o estúdio. Ele é perspicaz, nos deixou agir como uma banda. De qualquer forma, é como ele trabalhou conosco, talvez ele seja diferente com outros”, continua Albert. “Ele estava muito presente. Das 9 às 7 todo dia. Eu podia vê-lo da minha bateria e sabia se tinha algo quando o via batendo os pés. Se minha música ficava muito complicada ou algo assim, ele iria parar de seguir o ritmo em um segundo. Então eu me dizia ‘Meu deus, tenho que voltar pra um ritmo diferente’”, ri Moretti.

Se você ouvir atentamente a Ode to the Mets, a última faixa do disco parece trazer à superfície uma bolha de sofrimento enterrada por séculos, você o ouve dizer “Bateria, por favor, Fab”, corroborando a ideia de que a era Angles, quando Casablancas estava gravando os vocais sozinho no seu canto, está no passado da banda: “acho que é quando saí pra pegar um sanduíche e os caras começaram a tocar. Eu voltei bem rápido pra minha bateria” Fabrizio lembra.

Em 2009, quando Phrazes for the Young, seu primeiro disco solo, foi lançado, Julian Casablancas confidenciou que estava farto de sempre puxar o resto da banda depois de
First Impressions of Earth. “As coisas parecem ter mudado” ele ousa dizer. “É tipo minha vida privada. Se você quisesse saber como era lá atrás, você devia ter tentado ser meu amigo… Vamos só dizer que eu nunca quis ser o único a fazer tudo, mas não foi sempre assim. Eu queria estar numa banda em que todo mundo fosse ótimo, o melhor nisso, o melhor naquilo, mas o legal sobre Strokes é que temos essa química. Estou fazendo algo diferente com The Voidz, é como uma continuação artística dos primeiros três discos… voltar pros Strokes, sinto como se tivéssemos falado muito e passado por muito. Mudamos nossos arranjos e temos aquela energia de volta”, Julian diz, sua cabeça apoiada nas mãos, sem saber se a postura é exagerada ou se a natureza introspectiva da entrevista realmente o afetou.

Como pareciam os Strokes de 18 anos quando essa energia não precisava ser reacendida? Como um grupo de caras vestidos dos pés a cabeça como Rags-a-go, aquela loja em Greenwich Village, onde um certo Adam Green conheceu Albert; um tempo quando a ideia de uma banda representava o começo e o fim de tudo, como uma evidência cósmica.

Uma banda de amigos reunidos por Julian Casablancas, que conheceu cada um durante a infância e adolescência e assumiu a tarefa de colocá-los juntos.

A história é bem conhecida agora: foi no prestigiado Instituto Le Rosey, uma escola particular na Suíça, que o filho do fundador da agência de modelos Elite conheceu o último mosqueteiro, Albert. “Eu tinha 13, ele tinha 15. Ele era como um irmão mais velho”, Albert lembra. “Eu amava nossa energia. Fazia sentido pra mim. É como se apaixonar. Dois mundos se encontrando. Éramos tão parecidos e tão diferentes. Quando moramos juntos, eu era muito arrumado e ele tão sujo… ele estava à frente. Eu aprendi muito. Ele entendia tantas coisas que eu não sabia. Hoje sinto que posso escrever músicas, mas não naquela época. Eu não sabia como fazer”, Albert então pega a guitarra na jovem banda que Julian Casablancas estava reunindo: The Strokes.

Em janeiro de 2001, seu primeiro EP, The Modern Age, foi uma bomba. A imprensa anglo-saxã ficou muito empolgada. O disco Is This It foi lançado em agosto do mesmo ano e marcou o retorno do rock. Isso foi confirmado por Room on Fire dois anos depois.
The Strokes introduz Ramones, Velvet e Rolling Stones em um espírito febril com sua pegada habilidosa: a multiplicidade de melodias, acompanhadas dos vocais vívidos de um Julian que tentava personificar uma lâmina, provocando o classicismo da formação vocal-guitarra-baixo-bateria e garantindo a originalidade de uma banda que imediatamente se destaca das outras.

No curso de seus cinco álbuns, The Strokes nunca deixaram de se reinventar, sempre empurrando a busca pelo título perfeito mais e mais longe: tão complexa como uma viagem de LSD, mas transbordando uma eficiência marcante. Fabrizio Moretti concorda: “Você não pensa sobre o que as pessoas precisam, ou o que querem ouvir. Pensamos sobre o que precisamos. Acho que o único jeito de fazer algo honesto é continuar mudando. Quando você faz algo muito repetitivo, seu cérebro para de pensar. Você precisa exercitá-lo, manter sua mente aberta.”

Falamos com ele sobre quão longe ele foi, sobre os projetos solo ou paralelos que fez – incluindo o último, Machine Gum – e o profético título do sexto disco, The New Abnormal, que, embora se refira aos incêndios na Califórnia em 2018, será lembrado como um disco lançado num mundo em confinamento: “Vou te dizer uma coisa”, diz Fab. “Quando toquei as primeiras coisas da Machine Gum para o Nick (Valensi, nota do editor), ele apontou algo. Ele disse, ‘Eu nunca vou conseguir ouvir sua música ou a música de nenhum de nós, sem pensar sobre como eu pude influenciá-la’, e eu acho que é um bom ponto, porque todos tivemos nossos momentos de tentar coisas e explorar outras fora da banda. Mas quando estamos juntos, sabemos tanto sobre como trabalhar juntos”

The Strokes pegou um detalhe precioso sobre as boy bands – se tornou o alicerce para a banda se sustentar: seu campo magnético se estabelece apenas na reunião de seus cinco membros. Você precisa ver o grau de excitação diminuir ligeiramente quando é sobre seus outros projetos. The Strokes é uma verdadeira Hidra com 5 cabeças, pilotada por um onisciente Julian, capaz de conseguir o melhor de todos para os discos.

Apesar de tudo, a motivação dessa banda que parece estar sempre à beira do divórcio ainda nos ilude. Então, por que um novo disco dos Strokes em 2020?

Albert espera alguns segundos que parecem durar pra sempre e diz “Porque é o que bandas fazem”.